Copo Sujo recordando a violência
Neste domingo, dia 24 de outubro de 2010, o Atlético enfrenta o Cruzeiro pelo Brasileirão. É motivo de sobra para que todo mundo que gosta de futebol se divertir e ter um fim de semana movimentado e emocionante. Infelizmente, entretanto, toda vez que chega a rodada do clássico, é a mesma merda: brigas, depredação de patrimônio público e privado, perigo nas ruas, medo e correria. Certos pontos da cidade viram palco de guerrilha, bando contra bando, e depois de um bom tempo de pau comendo solto, vem o aparato do Estado pra acabar de descer a borracha em quem sobrou na pancadaria. Dia de clássico, às vezes, mais parece uma regressão coletiva à Idade Média.
O Governo de Minas, volta e meia, vai arrumando um jeitinho ou outro de amenizar a porradaria, assim meio a contragosto, meio sem tempo pra pensar na coisa, tirando o corpo fora, de modo que o problema nunca acaba, sendo às vezes apenas transferido de local. Nesses muitos anos de governo tucano no Palácio da Liberdade, vimos intervenções esdrúxulas e contraditórias, medidas paliativas e um atentado a quem gosta de futebol. Proibiram cerveja, proibiram bandeira. O Mineirão, que antes da reforma que está em andamento, poderia comportar cerca de 80 mil pessoas tranquilamente, teve sua capacidade reduzida para 60 mil. Em dias de clássico, a Polícia Militar chega ao absurdo de liberar apenas 45 mil lugares, de forma a deixar o maior espaço vazio possível entre as torcidas. Desse jeito, fazendo o espetáculo pagar o pato, posso muito bem dizer que, se o Governo do Estado fosse um médico, estaria fazendo seu paciente beber veneno pra matar suas lombrigas.
A "medida preventiva" da moda é o clássico de torcida única. O Galo mandou seu jogo em Sete Lagoas, o Cruzeiro mandará em Uberlândia, cada qual com a presença exclusiva de torcedores do mandante. Dizem que o motivo é que, se você colocar um atleticano e um cruzeirense no mesmo espaço, eles fatalmente acabarão saindo no braço. Como se isso fosse uma coisa aceitável, normal, costumeira. Já que eles vão brigar, vamos impedí-los de estar no mesmo lugar. Mas não vamos impedí-los de achar que é certo brigar. Parece piada, mas é isso mesmo que acontece.
É estranho como, nesses casos, a gente percebe que a política do Estado para a segurança tem uma visão limitada, cartesiana, de tentativa-e-erro. Não se dedica dois minutos por ano à inteligência, à elaboração de políticas efetivas de educação e civilidade. Ao invés disso, o Estado institucionaliza a violência, assume seu caráter de inevitabilidade, aceita a legitimidade de sua motivação, e trabalha apenas em seu "controle e repressão". O torcedor passa a ser tratado como gado. O sujeito que leva os filhos pequenos pra torcer passa a ser considerado parte do mesmo rebanho do delinquente que persegue e esmurra aquele cuja cor da camisa não o agrada. Resultado: no final, todo mundo, estando certo ou errado, leva sopapo da polícia.
A leitura que eu faço disso tudo é que o Governador, na preguiça ou na falta de competência para tratar do assunto, faz com que as grandes decisões conceituais sobre segurança sejam transferidas para a área técnica, ou seja, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros. E agora a crítica não culpa os militares, porque eles fazem o que têm de fazer. E o papel deles não é tomar esse tipo de decisão. A polícia é um instrumento do Poder Público, e não o centro da definição política. Logo, (lá vem analogia de novo), se o Estado fosse uma construtora, e a segurança pública fosse a obra de um prédio, em Minas Gerais o projeto arquitetônico estaria sendo riscado diretamente no chão pelos pedreiros e mestres-de-obra. Eles estariam fazendo muito bem o que sabem fazer, mas em cima de decisões que não cabem a eles tomar.
Mas então, como tirar de nossas vidas a cultura da porrada em dia de futebol? Longe de ser uma resposta fácil, isso demanda a mobilização de um núcleo de inteligência e muita, muita, muita discussão até virar um projeto. Mas creio que dá pra gente imaginar um caminho: se eu fosse Governador, eu inverteria a lógica reinante. Acabaria com a separação das torcidas. Não haveria barreiras nas arquibancadas do Mineirão, todos os portões dariam acesso ao mesmo espaço, e os torcedores seriam induzidos a ir juntos ao Estádio. Eu sei que todo atleticano tem amigos cruzeirenses e vice-versa. Porque eles não podem dividir o carro ou o ônibus pra ir ao clássico? Um estádio com torcidas misturadas, com certeza, teria índices de violência baixíssimos. A violência seria inibida porque o "instinto de bando" do torcedor não teria muito espaço pra se desenvolver, estando o indivíduo cercado pela diversidade de opinião, e não pela unanimidade (burra) de orientação e pensamento, ficando assim impedido de chegar ao estágio da intolerância.
Infelizmente, não vejo essa alternativa surgir como uma possibilidade. Primeiro, porque os mineiros elegeram, de novo, os mesmos políticos ineficientes (não só em segurança pública, cabe dizer), que há mais de uma década apitam por aqui. E depois porque os grandes grupos organizados (que eu cito por nome: Galoucura e Máfia Azul) se comportam como duas tropas inimigas e propagam o vínculo do futebol com o ódio. Não conheço nenhuma iniciativa desses dois grupos que seja contrária a esse estado de violência, mas vejo muito clara a transformação da rivalidade em uma justificativa para a distribuição de pontapés e pedradas. Duvido que alguém me convença do contrário (para quem quiser tentar, o espaço para comentários está aberto). Isso transforma essas "torcidas organizadas" em responsáveis diretos pela insegurança e pela baderna que vivemos atualmente, toda vez que tem clássico. E por isso, eu encerro deixando uma sugestão para as duas agremiações. Senhores chefes da Galoucura e da Máfia Azul: no próximo clássico, façam "juntos e misturados" o trajeto para o estádio. Assistam ao jogo lado a lado. Sejam bons perdedores e/ou bons vencedores, voltem para casa em paz e dêem o exemplo para o resto do Brasil. Mostrem que é possível ser torcedores sem precisar agir como se fossem animais ensandecidos.
Fonte: http://www.coposujo.net/
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